“AGORA VOCÊ É GRATO A MIM”: VIOLÊNCIA DE GÊNERO EM ACENOS E AFAGOS DE JOÃO GILBERTO NOLL

Resumo

O narrador criado por João Gilberto Noll, em Acenos e afagos (2008), transforma-se, durante a narrativa, em uma mulher para estar ao lado do grande amor de sua vida, a personagem denominada de engenheiro. Entretanto, essa transformação é compreendida como uma forma de violência de gênero contra o narrador, uma vez que é construída em torno de uma obrigatoriedade imposta pelo engenheiro por ter ressuscitado o narrador de dentro de seu túmulo. “Agora você é grato a mim e continuará sendo pelo período que resta”, é o que diz o engenheiro no único momento da obra em que o narrador renuncia a sua voz em proveito daquele a quem precisa agradecer. A violência de gênero sofrida pelo narrador parece clara e direta na fala do engenheiro, contudo, muitos outros símbolos espalhados pela narrativa fazem o narrador perceber a obrigação de viver uma outra vida e um outro gênero após sua ressurreição, simplesmente como agradecimento, uma forma de violência reconhecida pela sociedade, visto que há diversas maneiras de se sofrer uma violência baseada no gênero. Judith Butler, em Bodies that matter (2011), mostra a força dos enunciados ao refletir sobre a violência dentro da sociedade por meio da ritualização do discurso de gênero. Já Jacques Derrida, em seu Força de lei (2007), reconstitui como a própria violência é parte da fundação da lei e da sociedade enquanto enunciado performativo o qual possui uma força de autoridade. O narrador de Noll não é inocente e, mesmo agindo dentro dessa obrigação disfarçada em forma de agradecimento, consegue demonstrar por meio do jogo com a linguagem como essa violência dá-se e debate qual seria o seu papel nessa narrativa das forças de gênero. Reunindo as críticas de Butler (1997) e Derrida (2007) para analisar a obra de Noll, pretende-se refletir como o narrador resiste à violência enquanto se transforma, não em uma mulher, mas reinventa uma forma subversiva de manifestar sua sexualidade por intermédio de um gênero flutuante, impreciso e em transformação constante, de acordo com as suas necessidades e com indagações acerca de o que é ser homem ou ser mulher.

Palavras-chave: Acenos e afagos. João Gilberto Noll. Violência de gênero. Performatividade. Literatura brasileira.