O SIMBOLISMO EM MARIO PEDERNEIRAS

Autores

  • vanessa dos santos ferreira uems- universidade estadual de mato grosso do sul

Resumo

O SIMBOLISMO EM MARIO PEDERNEIRAS

Vanessa dos Santos Ferreira; vanessaletrasuems@hotmail.com ; UEMS[1]

Danglei de Castro Pereira, danglei@uems.br ; UEMS[2]

Resumo

O presente projeto discute a poesia de Mario Pederneiras em um contexto de produção simbolista no Brasil. A idéia central é valorizar a poesia de Pederneiras e, neste percurso, comentar aspectos específicos de sua poesia e, consequentemente, discutir os limites do cânone literário nacional quando da diversidade poética e heterogeneidade de produções no Simbolismo brasileiro. Acreditamos ser pertinente discutir aspectos estéticos da poética de Pederneiras com vistas a apresentar um poeta pouco conhecido ao público leitor e compreender o poeta dentro da poesia Simbolista brasileira.

Palavras-chave: peosia simbolista, Simbolismo, poesia simbolista brasileira.

 

INTRODUÇÃO

É comum encontrarmos referências as obras e autores do Simbolismo brasileiro e percebermos a ausência de apreciação crítica da poesia de Mario Velos Paranhos Pederneiras. A ausência de trabalhos científicos de maior fôlego e a aparente marginalidade do poeta carioca em muito se deve ao destaque dado a poesia de Cruz e Souza, Alphonsus de Guimarães entre outros poetas representativos deste movimento literário no Brasil. As referências sobre a poesia de Mario Pederneiras, quase sempre, compreendem aspectos temáticos associados a sua poesia e em muito deixam de lado um trabalho mais detalhado sobre a qualidade estética de seus textos. A proposta de iniciação científica aqui apresentada pretende por um lado apresentar aspectos relevantes da poesia de Pederneiras.

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Esta postura, em nosso entendimento, garante uma avaliação da fortuna crítica do autor e, nesse percurso, representa um esforço em abordar a diversidade da obra poética no Simbolismo brasileiro, um movimento estético por si marginal na tradição literária brasileira no início do século XX. O percurso metodológico compreende a discussão de aspectos estéticos importantes dentro da tradição simbolista em Pederneiras.

Essa postura entra em consonância com a preocupação de revisão e discussão constante do cânone literário nacional com vistas a ampliar os horizontes da crítica literária no Brasil e, consequentemente, valoriza a diversidade das produções literárias nacionais como expressões da heterogeneidade da cultura brasileira. A presente investigação justifica-se na medida em que acreditamos na necessidade de constante revisão da historiografia literária nacional como algo necessário para a valorização da diversidade de estilos e autores em nossa tradição literária.

            Nossos principais objetivos são apresentar a obra de Mário Pederneiras dentro do Simbolismo brasileiro, apontado para a relevância estética de sua produção poética e, ao mesmo tempo, apontar para aspectos estéticos e temáticos inerentes a sua poesia.

 

MATERIAL/MÉTODO

Compreender o cânone literário nacional como heterogêneo e diversificado é uma necessidade que implica, por um lado, na constante discussão dos valores cristalizados pela crítica literária nacional e, por outro, na inclusão de novas perspectivas de análise como forma de valorizar a tradição literária brasileira como rica e diversificada.

Flávio Kothe (1999), em O cânone colonial e O cânone imperial, foi um dos primeiros críticos literários brasileiros a apontar para a necessidade de revisão dos paradigmas formativos da tradição literária nacional. Haroldo de Campos (1978), em “O sequestro do Barroco”, aponta para a necessidade de reavaliar os paradigmas canônicos na tradição literária brasileira. A discussão da polêmica exclusão do Barroco como elo do jogo de influências formativo da tradição literária brasileira em A formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, pode ser entendida como uma postura que problematiza os pressupostos canônicos na tradição crítica no Brasil, fato que vislumbra a necessidade de identificar novos caminhos na abordagem de nossa diversidade literária.

A abordagem da poesia de Perneiras, em nosso ponto de vista, garante a possibilidade de discussão da diversidade de obras na tradição literária brasileira, fato importante para o amadurecimento da discussão sobre a formação do cânone literário e, mais especificamente, o mapeamento da produção poética de Mario Velos Paranhos Pederneiras no contexto Simbolista no Brasil.

A ideia de valor literário de uma determinada obra, neste trabalho, compreende um esforço de leitura que foque a obra em sua relação com a tradição da qual emerge e, consequentemente, a forma com que cada autor amplia ou reconduz a tradição em seu espaço de criação artística. 

 

RESULTADOS/DISCUSSÃO

Um dos marcos cronológico do Simbolismo é publicação da obra As flores do mal de Charles Baudelaire em 1857. Baudelaire procurou criar um novo tipo de poesia, trabalhando com uma linguagem ritmicamente organizada em torno de sensações cromáticas e sugestões rítmicas variáveis. A adoção de temas tabus como o grotesco e a utilização de um verso sensitivo via reorganização dos sentidos imediatos do signo linguístico são características associadas ao poeta de Sobre a modernidade.

Influenciada pelo sentimentalismo romântico, a estética simbolista recupera o idealismo e o espiritualismo romântico. A ideia de que pela essência misteriosa das coisas é possível captar, na palavra poética, a evocação um aspecto íntimo da expressão humana ganha contornos específicos dentro da tradição Simbolista. Esta relação por vezes conflituosa cria uma tensão estética entre a expressão do objeto concreto e sua representação interior, sensitiva. O resultado é uma poesia altamente sugestiva e sensitiva que filtra as experiências individuais rumo a sugestão, o vago e o misterioso.

Altamente críticos face aos malefícios advindos da Revolução Industrial, os poetas simbolistas duvidam da eficácia dos métodos científicos na compreensão do real. Entretanto rejeitam o sentimentalismo impulsivo ao adotarem uma visão racional diante das relações sugeridas pelas inúmeras cadências rítmicas na construção do verso. É possível dizer, que o Simbolismo foi um movimento literário em que os poetas sonharam em elevar a poesia à condição de música, porém o fizeram via palavra e sugestibilidade. Os poetas recorriam ao uso de aliteração, assonâncias, sinalefas e diástoles, sinédoques, orquestrações e sinestesias, além da flexibilização do símbolo enquanto metáfora com a finalidade de ampliar o horizonte concreto do signo poético.

Autores como Edgar Allan Poe, Baudelaire e Malarmé são ícones de uma nova forma de percepção da realidade, fato que conduz a uma poesia sensitiva, porém condensada por um conjunto coeso de reflexões poéticas e estéticas que resultaram em uma poesia de extremos. Por um lado permeada pelo sentido intimo e a negação ao Positivismo e, por outro, repleta de preocupações formais que, em muito, retoma o labor estético como paradigma formativo do pensamento Simbolista. Esta aparente dualidade conduz ao paradoxo simbolista: qual seja uma poesia que filtra o sentimentalismoe a sensação intima do mundo, via uma reflexão formal em muito preciosista e repleta de jogos linguísticos, quase barrocos para não dizer rebuscada.

            É possível dizer, que o Simbolismo foi um movimento literário em que os poetas tocam a proximidade entre poesia e música. Fato facilmente verificado pelo acumulo de figuras de som dentro das manifestações poéticas simbolistas. Quanto ao Simbolismo brasileiro podemos dizer que não foge completamente do ideário europeu, porém com uma particularidade interessante. Aqui o tom abstrato e, por vezes, aristocrático assume uma condição profunda de crítica social. Longe de remeter ao poeta modernista engajados face às questões sócias da então jovem república, os Simbolistas souberam denuncuar uma realidade hostil face a realidade de transformações sociais vividas pelo Brasil do início do século XX. Poetas como Augusto dos Anjos, Cruz e Souza , Pedro Kilkerry e Mario Pederneiras produziram uma poesia de afetação social ao denunciarem nas linhas profundas de seus poemas a situação fragilizada do homem no entre-séculos.

É pensando nestas especificades sobre o movimento Simbolista que iremos apresentar a poesia de Mário Pedenreias, poeta que compreendemos como importante dentro do contexto Simbolista no Brasil, menos pela reprodução fiel dos temas e procedimentos simbolistas, mas por uma linguagem singular dentro deste movimento

Mário Pederneiras (1868-1915), filho do médico Dr. Manuel Veloso Paranhos Pederneiras e de Isabel França e Leite Pederneiras, casou-se com Júlia Meyer, teve cinco filhos. Faleceu no Rio de Janeiro em 8 de fevereiro de 1915. Sua produção poética é condensada em cinco obras: Agonia (1900); Rondas Noturnas (1901); Histórias do meu casal (1906); Ao léu do sonho e a mercê da vida (1912) e Outono (1921), obra póstuma.

A poesia de Mário Pederneiras é apresenta uma linguagem culta e com um vocabulário rebuscado. Observamos que seus textos são pertinentes às características do movimento simbolista, porém o rigor formal e a utilização discursiva remete a traços parnasianos. Mesmo utilizando muitas formas fixas, o poeta adota em muitos poemas o uso verso livre, sobretudo em Histórias do meu Casal (1906). Neste trabalho dedicaremos especial atenção ao livro Agonia (1900) do qual discutiremos os poemas “Prelúdio”.

No poema “Prelúdio” organizado em quartetos e tercetos decassílabos com rimas alternadas e entrelaçadas. No poema encontramos um tom espiritual organizado via relação dogmática. Os versos “E Deus mandou-lhe o Sonho/ Movimentando a túnica dos anjos/“ Estranh’a hóstia em centeio” contribui para a percepção de um sentido latente de religiosidade. Outra característica do movimento no poema é o percurso estético altamente elaborado. Nele encontramos metáforas bem construídas que ampliam a musicalidade do poema, sobretudo pelo acumulo de assonâncias e aliterações ao longo dos versos.

            A alusão a um espaço primitivo com “luas brancas” e “nunca por pés humanos palmilhados” traz ao poema a ideia de pureza. Esta pureza, índice no poema, é contaminada pela presença do humano. Este vem inferido pelas constantes alusões a Jó, personagem bíblica que tem o ciclo de queda e redenção diante de um Deus cristão por ser um de seus mais fiéis súditos/devotos. O poema, neste sentido, atualiza a inquietação humana diante da injustiça divina em relação a Jó. O jogo sonoro e a recorrência de termos cacofônicos ao longo poema criam uma aura sonora que dissipa um sentido imediatista ao poema. As constantes referências a Jó e a presença de imagens concretas, “rua” e “cruz angelical”, por exemplo, convergem aos poucos em um espaço insólito que dilui a certeza do eu-lírico face as verdades imediatas. Em outros termos, é como se ao evocar as dúvidas de Jô; o eu-lírico evidenciasse suas dúvidas íntimas e, com isso, reorganizasse as certezas face a mundo concreto.

            O tom místico e sentimental, outra característica simbolista encontrada no poema, contribui para o efeito alienante evocado no poema. Nele as confluências imagéticas, luzes entrecortadas e os sons que se relacionam provocam um percurso reorganizador dos sentidos no poema. O eu-lírico identificado ao questionamento de Jó reflete sobre sua condição provisória no espaço real. O poema assume, assim, uma perspectiva ontológica que amplia as sensações de precariedade da vida rumo a uma necessária reorganização humana em busca de sentidos mais puros em uma espécie de descontaminação da precariedade humana.

É por esta perspectiva que surgem as referências cristãs no poema. A alusão a “Páscoa” e a presença da “morte” ao fim da jornada fazem do poema uma introdução à morte objetiva e carnal, fato que lança o texto em um percurso místico que eleva a reflexão em direção a aspectos dogmáticos. A referência remissiva a matiz branca e ao isólito “Religiões e Névoas... Coisas alvas...” contribui para a percepção da efemeridade da vida, objeto temático sublimado pelo constante jogo sonoro no poema. A apresentação de uma morte objetiva na contemplação à “lua”, presente no poema e, a reflexão sobre a imparcialidade das ações humanas leva o eu-lírico a um percurso catártico que procura redefinir o sentido imediato de finitude em direção ao transcendente, outra característica simbolista presente no poema.

É possível pensar, portanto, na organização de uma linha reflexiva que constrói dentro do poema a constatação do efêmero e a necessidade de busca por algo novo para reorganizar a relação humana face o mundo. O paralelo irônico e a alusão ao percurso de Jô, personagem síntese da bondade humana é, paradoxalmente, metáfora da incompreensão da lógica divina no contexto bíblico, funcionando, em nível profundo, como ironia à natureza contraditória da figura humana.

Pensado por este prisma o poema “Prelúdio” evoca metonimicamente uma trajetória degradada que tem na personagem bíblica um eco. É pela constante alusão a aspectos místicos, “cruz”, “ a luz da lua”, entre outros, que o poema apresenta o sentido latente da reflexão que organiza as sensações humanas evocadas no poema.

A aparente tranquilidade das cenas descritas no poema, neste sentido, conduz a um questionamento objetivo da realidade e do fluir do tempo que acalanta e acalma o eu-lírico. Ao compreender sua precariedade e objetivar sua perenidade diante do tempo o eu-lírico encontra um espaço de equilíbrio, de tranquilidade. As evocações contemplativas do eu-lírico a Jô – personagem bíblico que vê sua vida abruptamente devastada para ao final de um percurso de purgação ver restituído o equilíbrio dos justos – conduz ao questionamento da bondade humana no interior do poema.

A incerteza da remissão, como no personagem bíblico, apresenta a inquietação do eu-lirico, metáfora do homem conturbado pelas transformações sociais ao final do século XIX e início do século XX. Ocorre, porém que as sensações evocadas pelo eu-lírico caminham na direção do questionamento de sua natureza positiva, fato que condenaria o eu-lírico ao transito dos injustos e dá ao poema um tom de exemplificação, quase sagrado.

Nesta leitura, “Prelúdio” é um sonho, uma imagem evocada pela história bíblica com a qual dialoga. Este percurso temático cumpre o papel de apresentar, como no prólogo épico, a situação fragmentada do sujeito-poético e, portanto, do homem no século XIX e XX. A tentativa de purificação encontra no poema linhas tensivas que ferem as certezas imediatas. O livro de Jó, evocado explicitamente no poema, funciona como metonímia às avessas. É uma forma simbólica de questionar a situação humana ao final do século XIX.

Versos como “Horas de Calma branca e de apatia/ Enevoados de fina nostalgia/ Pesam-lhe aos Olhos úmidos, parados” associados descrição desta noite enigmática evocada pelo poema, caracterizada como funérea e longa, acentuam o sofrimento de Jô identificado ao sofrimento do eu-lírico. O caminho é, portanto, reorganizar esta realidade, redefini-la via contemplação passiva. O eu-lírico deve, então refletir sobre a condição humana e ampliar a leitura do Livro de Jô.

Pensamos aqui na reorganização da religiosidade imposta pelo Simbolismo à tradição poética. A temática religiosa compreende, neste trabalho, uma das formas de pensar o simbolismo em Mário Pederneiras.

Não postulamos, entretanto, a compreensão de sua poesia como religiosa e um sentido Stricto, antes a discussão de como o Simbolismo reorganiza a temática religiosa via labor estético. Estaríamos, então, diante de duas questões importantes para a compreensão de Mário Pederneiras dentro do Simbolismo. Sua poesia reorganiza os temas religiosos, mas o faz por meio de um intrincado jogo estético.

É via rebuscamento formal e de ritmos inovadores como a musicalidade e o jogo de imagens que pensamos no enquadramento do poeta dentro dos limites do Simbolismo brasileiro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme anunciamos na introdução deste trabalho, nossa trajetória discutiu a poesia de Mário Pederneiras, oportunizando uma reflexão sobre particularidades de sua poesia no Simbolismo no Brasil. No desenvolvimento do trabalho demonstramos a qualidade estética da obra de Pederneiras dentro do Simbolismo brasileiro. Acreditamos ter colaborado para a compreensão de sua poesia como relevante no contexto literário brasileiro.

Mediante a pesquisa afirmamos que o estudo da obra poética de Mário Pederneiras é de grande valia, pois amplia os nossos conhecimentos referentes a questões estéticas, temáticas e estruturais dentro da literatura brasileira.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Programa institucional de Bolsas de Iniciação Científica da UEMS e ao CNPq que forneceram o financiamento para esta pesquisa, sem o qual sua realização ficaria comprometida.

 

Referências Bibliográficas

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[1] Bolsista PIBIC/CNPq

[2] Orientador

Biografia do Autor

vanessa dos santos ferreira, uems- universidade estadual de mato grosso do sul

Acadêmica do segundo ano do curso de Licenciatura em Letras - habilitação Português/Inglês, Unidade Universitária de Campo Grande

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Publicado

2015-10-21

Como Citar

ferreira, vanessa dos santos. (2015). O SIMBOLISMO EM MARIO PEDERNEIRAS. ANAIS DO ENIC, 1(3). Recuperado de https://anaisonline.uems.br/index.php/enic/article/view/1549

Edição

Seção

LINGUÍSTICA LETRAS E ARTES